Como todas as normas ISO, a ideia era que todas as partes interessadas chegassem a um consenso, a fim de satisfazer às marcas e aos consumidores da melhor forma possível. A norma tenta estabelecer definições e bases de cálculo que sejam comuns a todas as partes e reconhecidas internacionalmente, determinando o nível mínimo de ingredientes orgânicos e naturais que devem estar presentes na fórmula dos cosméticos para que possam ser identificados como produtos orgânicos ou naturais.
Fruto de negociação entre interesses diversos, a norma vem sendo criticada por empresas de certificação com longo histórico de atuação no mercado, que discordam de vários aspectos formulados no novo regulamento.
Principal empresa de certificação do setor de cosméticos naturais e orgânicos, o Grupo Ecocert Greenlife, que implementa principalmente os critérios do selo europeu COSMOS, declarou, por intermédio de sua diretora, Valérie Lemaire, não concordar com o texto da nova norma, em particular no que se refere a três aspectos: a definição de ingredientes naturais, o cálculo das porcentagens mínimas obrigatórias em matéria de ingredientes orgânicos e a determinação da origem natural dos ingredientes.
"Trata-se de uma norma baseada em cálculos. Para possibilitar esses cálculos, foi preciso formular uma série de definições. O problema é que não concordamos com essas definições", explica Valérie Lemaire.
Por outro lado, Anne Dux, diretora de Assuntos Científicos e Normativos da FEBEA (federação francesa da indústria de cosméticos) e coordenadora do grupo de trabalho, afirma que "a norma ISO 16128 representa um consenso internacional e, portanto, não pode refletir exclusivamente a posição das empresas privadas de certificação na Europa". Para a indústria, a norma oferece a vantagem de ter uma dimensão internacional e ser uma referência mundial, mas de forma alguma seu objetivo é substituir os critérios nos quais se baseiam os selos de âmbito nacional ou regional.
O primeiro ponto de atrito diz respeito à definição de ingredientes naturais. Segundo os critérios estabelecidos pelo selo COSMOS, um ingrediente não pode ser considerado natural se for obtido a partir de uma planta que tenha sido submetida a transformação genética.
Nesse aspecto, a norma ISO 16128 indica que "os OGMs só são autorizados nas regiões em que o seu uso é permitido". Teoricamente, portanto, não estão autorizados na União Europeia. No entanto, como explica Valérie Lemaire, é muito comum que os fabricantes de ingredientes da França e de outros países da Europa trabalhem com fornecedores de plantas que atuam em regiões nas quais os OGMs são autorizados. "Atualmente, quase todo o milho e a soja são importados dos Estados Unidos, o que significa que são 100% OGM. Pelos critérios da nova norma, os ingredientes fabricados com essa matéria-prima poderão ser considerados naturais", continua. Por outro lado, os ingredientes orgânicos não deverão ser afetados, visto que não podem receber o selo para produtos orgânicos na Europa se forem produzidos a partir de plantas geneticamente modificadas.
O segundo motivo de discórdia é o cálculo da porcentagem de ingredientes de origem orgânica.
Anne Dux explica que "a norma não representa uma autorização para que o fabricante possa afirmar que seu produto é orgânico – ela apenas garante que o produto contém uma determinada porcentagem de ingredientes orgânicos". Para que esse critério seja cumprido, a norma estipula que seja calculada a proporção de ingredientes orgânicos introduzidos no início do processo de fabricação do produto.
O fato de esse cálculo ser realizado no início do processo de fabricação vem sendo questionado por Valérie Lemaire. Para ela, a norma não leva em conta o método de transformação do produto para determinar se ele é orgânico ou não. "A partir de ingredientes com certificação orgânica, um fabricante pode perfeitamente acrescentar solventes ou petrolatos. Uma vez que a fórmula tenha sido transformada, a molécula orgânica, totalmente modificada, será mista. E é aí que mora o perigo: o ingrediente, embora não corresponda mais aos princípios de agricultura orgânica após a transformação, acaba contribuindo para aumentar a porcentagem de ingredientes de origem orgânica", explica ela.
Um problema que, segundo Valérie Lemaire, afeta também a determinação da origem natural dos ingredientes e, portanto, dos atributos que o produto poderá exibir no rótulo. Essa é justamente a terceira fonte de desacordo.
"Atualmente, qualquer produto disponível no mercado pode apresentar uma certa porcentagem de ingredientes de origem natural – por exemplo, tensoativos de base vegetal. Mas, por trás disso, os processos de transformação usam substâncias petroquímicas que muitas vezes nada têm de ecológicas. Ou seja, a norma é a porta aberta para que todos os produtos aleguem conter ingredientes de origem natural, deixando o consumidor totalmente desnorteado", explica Valérie Lemaire.
"É uma acusação sem fundamento", responde Anne Dux. Para ela, ao contrário, a norma facilita a vida do consumidor, que muitas vezes não sabe o que pensar diante de selos de natureza tão diversa e contraditória.
A solução poderia ser um maior controle dos critérios de certificação ecológica, a exemplo do que existe na França? Pelo menos nesse aspecto parece haver consenso.