Segundo os especialistas, "o perfume é um dos produtos que mais utiliza embalagens no mundo. A volumetria recipiente/conteúdo é para lá de negativa". Nesse estudo inédito, Pascale Brousse, fundadora da agência Trend Sourcing, e Gérald Martines, fundador da In•Signes, empresa de consultoria em inovação para embalagens, sugerem uma série de ações e reflexões – seguindo um roteiro de quatro temas – para transformar essa realidade e conduzir a categoria de embalagens de perfumes rumo a uma nova era de luxo sustentável.

"O objetivo do estudo é propor ferramentas operacionais que contribuam para melhorar o impacto ambiental dos perfumes, à luz da sociologia e de experiências inspiradoras em áreas conexas", explica Gérald Martines.

Reduzir, Reutilizar, Reciclar… Recusar

Como introdução, Pascale Brousse descreve o caminho que já vem sendo trilhado em direção a uma postura mais sustentável. "Hoje em dia, é até meio suspeito lançar um perfume que não contenha pelo menos um item sustentável. Mesmo as marcas e as casas de fragrâncias mais convencionais já estão reformulando a oferta para integrar esse princípio", ressalta ela.

Segundo Pascale Brousse, o grande desafio é dar um passo ainda maior em direção a uma nova era que vem sendo chamada de "simbioceno" [1]. Caracterizada pela simbiose com a natureza, essa nova era contrasta com o período atual, muitas vezes chamado de "antropoceno".

"O nome ’antropoceno’ define esta nossa era geológica em que o homem adquiriu um poder excessivo, a ponto de ser capaz de modificar a própria estrutura da Terra, da biosfera, dos oceanos, do clima etc. É uma situação que não pode ser levada adiante e que gera danos irreversíveis. Portanto, precisamos superar esse modelo predatório de uso dos recursos naturais e ingressar na era do simbioceno, uma era que ainda deve ser inventada e na qual o ser humano poderá viver em simbiose com a natureza", declara Gérald Martines.

Aliás, vale lembrar que a ferramenta mais pragmática de ecodesign é a implementação – imperativamente nesta ordem – dos 3R: Reduzir, Reutilizar, Reciclar. "Porém, existe um quarto R: Recusar. Trata-se do poder de decisão do consumidor. Se ele não aderir à ideia, vai recusar o produto", avisa Gérald Martines.

Inventar novos formatos

Para preparar da melhor maneira essa mudança, o estudo propõe ampliar o campo dos possíveis para além do modelo clássico (fragrância à base de álcool, frasco de vidro, spray) e idealizar rituais diferentes e formas galênicas insólitas, buscando inspiração em setores conexos. "Temos visto muitas experiências novas com formas galênicas, bem como embalagens e rituais não convencionais. Os concretos e os formatos sólidos estão sendo reinventados, e é verdade que estão surgindo perfumes em forma de gel, pincéis e outras novidades, mas precisamos ir muito mais longe. Ultimamente, foram lançadas soluções originais na categoria de cuidados da pele que têm como modelo a diluição de uma fórmula concentrada. Que tal transpor esse modelo para o segmento de perfumes? Por que não lançar uma fragrância que possa ser reconstituída em casa? Ou um perfume In&Out? O formato clássico ainda vai prevalecer durante muito tempo, mas os jovens consumidores são ávidos por novidades", explica Pascale Brousse.

"Não é por acaso que citamos essas diversas formas galênicas. A escolha está longe de ser neutra em termos de meio ambiente. A cada uma, está associado um tipo de embalagem e um ritual. Esses aspectos pesam consideravelmente no cálculo do impacto ambiental", continua Gérald Martines.

Quatro temas para alimentar a reflexão

O estudo aborda em seguida quatro temas importantes: redução do peso, circularidade, regeneração e simbioceno.

O conceito de redução do peso está relacionado à sociologia da leveza. "Esse princípio deve ser aplicado a tudo: frasco, tampa, bomba, decoração, tudo! Algumas marcas eliminaram as tampas, como a Escentric Molecules; outro bom exemplo é a Floratropia, que abriu mão dos frascos de vidro, trocando-os por sachês", ressaltam os especialistas.

A reflexão sobre circularidade integra os processos de reutilização e de reciclagem. "Até a noção de ’defeito’ deve ganhar novos contornos, se transformando num elemento de diferenciação. O objetivo é não jogar mais nada fora, porque tudo vai ter um valor. Em geral, a fabricação de vidro gera uma porcentagem de resíduos bem alta, podendo ultrapassar 40%. De cada dez frascos, quatro vão parar no lixo, às vezes por causa de uma pequena imperfeição visual que em nada altera a função do produto. Portanto, é indispensável questionar a ideia de imperfeição. Por que não considerá-la como uma especificidade que confere personalidade e exclusividade a cada frasco?", pontuam os especialistas.

A questão da regeneração é estreitamente relacionada ao problema da emissão de carbono. "Nos próximos anos, será necessário priorizar uma visão de restauração e de reparação. Algumas marcas de maquiagem já começam a abraçar conceitos como a agrossilvicultura regenerativa, que é quando se trabalha o solo para devolver vida a ele. Esse conceito pode ser perfeitamente adaptado ao setor de perfumes", explica Pascale Brousse.

"No estudo, abordamos também iniciativas como a da Coty ou da L’Oréal, que utilizam etanol ou plásticos produzidos a partir de CO2 capturado. Isso, sim, é um passo na direção certa e ilustra um novo caminho de ecodesign, que consiste em verificar sistematicamente se não podemos usar tal ou tal resíduo como recurso. Esse princípio se aplica inclusive ao CO2", completa Gérald Martines.

O estudo conclui com a expectativa de que o perfume entre na era do Simbioceno e com a visão do que possa vir a ser uma indústria de fragrâncias em simbiose com a natureza.