Consumido tal qual em sucos e sorvetes ou incorporado à fórmula de loções hidratantes, shampoos e outros produtos cosméticos, o fruto do açaí conquistou o mundo e se tornou o xodó de adeptos de superalimentos.

O Brasil é o principal produtor mundial de açaí. O Pará, estado que concentra 90% desse precioso recurso, produziu quase 1,4 milhão de toneladas de açaí em 2021, injetando 5 bilhões de reais na economia local, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ranking das exportações de produtos à base de açaí, que registraram um aumento exponencial nos últimos anos, os principais importadores são Estados Unidos, Japão, Austrália e países europeus.

Mas o sucesso desse fruto pequeno e escuro vem remodelando a face da maior floresta equatorial do mundo, trazendo uma série de vantagens e desvantagens.

Durante o período de colheita, de agosto a janeiro, os produtores de açaí paraenses chegam a encher 25 cestos de 14 kg em um único dia. Cada cesto pode render até 25 reais, dependendo da cotação do fruto. Em seguida, grupos de intermediários compram o açaí e transportam, por via fluvial, até Belém, onde os frutos são revendidos o mais rápido possível para evitar que estraguem.

Expansão da monocultura

Por muito tempo, a produção de açaí foi considerada um modelo de "bioeconomia", oferecendo uma fonte de renda para as populações da Amazônia sem causar danos à floresta. Porém, alguns estudos mostraram que a expansão dessa cultura é nociva para a biodiversidade se a palmeira-açaí (o açaizeiro) invadir o espaço de outras espécies nativas.

"Quando deixamos a natureza agir, temos 50 a 60 açaizeros, quando muito 100, por hectare. Se houver mais de 200, perdemos 60% da biodiversidade normalmente presente nessas terras de várzea", explica o biólogo Madson Freitas, pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi, e autor de um estudo sobre esse fenômeno que ele denominou "açaização".

A monocultura prejudica também a própria colheita do açaí. O desaparecimento de certas espécies vegetais afeta o processo de polinização por insetos como abelhas, formigas e vespas, provocando queda na produção.

Os períodos de seca, que têm durado cada vez mais e podem se intensificar com as mudanças climáticas, também afetam a cultura do açaí, que costuma crescer em terras inundadas durante a estação das chuvas.

"Investimento social"

Madson Freitas considera possível manter uma produção sustentável de açaí, desde que se estabeleçam regras mais estritas a fim de coibir a monocultura. Segundo ele, é necessário que haja um "investimento social" (por meio de subvenções, por exemplo) para incentivar os pequenos produtores a "preservar a floresta".

Salomão Santos, líder comunitário de Igarapé São João, no Pará, admite que a monocultura do açaí pode acabar se tornando um problema. "Sobrevivemos graças à Amazônia, mas a Amazônia não pode sobreviver com uma única espécie", ressalta ele, lembrando os ciclos efêmeros da borracha e da cana-de-açúcar no início do século passado, na Amazônia. Salomão preconiza a implementação de um sistema de remuneração para as comunidades locais que contribuem para preservar a região amazônica. Na medida em que os bilhões de árvores dessa floresta absorvem o carbono da atmosfera, a Amazônia é um recurso vital para o planeta na luta contra as mudanças climáticas.