Quais são os principais obstáculos para que seja implementado um tratado de grande alcance?

Inger Andersen - Atualmente, o polímero virgem bruto é mais barato do que o polímero reciclado. Ainda não sabemos qual será o elemento que nos permitirá passar do atual sistema linear ("pegar, produzir, jogar fora") para um sistema circular. Não vai ser fácil. Hoje em dia, podemos jogar fora um objeto de plástico gratuitamente. Em contrapartida, o custo para o meio ambiente e para a saúde humana é imenso, sem que nenhum imposto seja cobrado por isso.

Estou convencida de que muitos produtos podem ser reformulados. Em geral, preferimos usar produtos líquidos – shampoo, creme dental ou até sabão para lavar roupa, por exemplo. Mas muitas coisas podem ser "desliquidizadas" e acondicionadas em caixas de papelão, depois de convertidas para o formato sólido.

A reciclagem é uma solução confiável?

Inger Andersen - Não é a reciclagem em si que vai nos tirar dessa enrascada. Mas a reciclagem é, sem dúvida, uma das muitas chaves para sairmos dela. Devemos ter consciência de que, hoje em dia, o plástico é simplesmente descartado, pois não tem valor algum.

Quando eu era criança, na Dinamarca, achava que minha mesada não era suficiente. Então, aos sábados, eu e meus irmãos saíamos para coletar garrafas na vizinhança. Na época, recebíamos 50 centavos por esse trabalho. Era pouco, mas pelo menos as garrafas tinham um certo valor. Imagine o dia em que os objetos descartados passarem a valer alguma coisa: com certeza serão tratados de maneira muito diferente.

Que outras mudanças de atitude ou de mentalidade são necessárias?

Inger Andersen - A primeira etapa é a conscientização, mas sem colocar a responsabilidade no consumidor, pois, no final das contas, cabe às empresas e aos governos essa responsabilidade. O segundo passo é saber que temos a capacidade de fazer escolhas em muitos aspectos.

Por exemplo, numa festa: precisamos realmente de copos descartáveis? Não seria melhor usar copos que possam ser lavados depois? Ao comprar cinco tomates, preciso realmente de uma sacola plástica para levá-los para casa? Se essa sacola for fabricada com um polímero pesado, esse material vai passar cem ou até mil anos no aterro sanitário. E por que escolher bananas vendidas em embalagens plásticas, quando a natureza já se encarregou de fabricá-las e protegê-las com uma casca bastante resistente?

Ou seja, muitas escolhas estão em nossas mãos. Mas as mudanças sistêmicas mais importantes só virão com acordos formais, como o tratado que estamos negociando.

Durante muito tempo, a poluição plástica foi ignorada nas negociações internacionais. Como surgiu esse projeto de tratado?

Inger Andersen - A demanda popular por soluções foi ganhando vulto e, na maioria dos países, vinha tanto da esquerda quanto da direita. Para mim, esse projeto é o resultado do ativismo de cidadãos e cidadãs dos mais diversos horizontes. E peço a todos esses ativistas que mantenham a pressão, de forma que o futuro tratado instaure um compromisso por parte dos signatários e tenha um alcance realmente amplo.

Mas muitos grupos de defesa do meio ambiente temem que a indústria de plásticos tenha uma influência negativa nas negociações.

Inger Andersen - Registramos, ao todo, 2.800 participantes nas negociações de Paris, sendo 908 representantes governamentais, 1.712 membros de ONGs e 10 associações industriais.

Tomemos o exemplo da camada de ozônio, provavelmente o tratado de maior sucesso na área ambiental: teria sido impossível chegar a uma solução sem a presença da indústria na mesa de negociações. Acredito que, uma vez aprovada a legislação, as empresas vão acatar as decisões. E digo mais: podem ir se preparando! É melhor participar e fazer parte do processo de mudança desde já, porque o tratado está batendo à nossa porta e terá um amplo alcance. É o que o mundo quer.

Algum dia a humanidade será capaz de abrir mão do uso de plásticos?

Inger Andersen - Atualmente, os plásticos estão em tudo que é canto. Continuaremos precisando deles para interruptores elétricos, volantes etc. No entanto, é nosso dever refletir sobre o problema dos plásticos descartáveis. Fazemos um uso excessivo de plásticos porque é um material muito barato, mas isso tem consequências para o meio ambiente, os oceanos, a fauna e a flora. E agora já sabemos que os plásticos têm também um grande impacto para a saúde humana.

A entrevista foi editada por uma questão de concisão e clareza.