Há quase uma década, Lucas Portilho, diretor do Instituto de Cosmetologia e Ciências da Pele e mestre em Ciências Médicas pela Unicamp, vem estudando o comportamento dos brasileiros em relação à fotoproteção. A edição mais recente de sua pesquisa, que acaba de ser divulgada, aponta que 66% dos brasileiros não aplicam filtro solar diariamente, com 19,8% dos entrevistados justificando a falta de uso pelo alto custo ou por não verem necessidade.
“Muitos brasileiros ainda consideram o filtro solar supérfluo, especialmente em cenários de crise econômica. É um produto feito com matérias-primas importadas e isso impacta também. Então a questão econômica é o fator principal. A maioria das pessoas não usa o protetor solar diariamente porque o consideram caro e entendemos que muitas famílias brasileiras têm outras prioridades”, afirma Portilho.
A falta de produtos adequados às necessidades da pele brasileira, com mais tendência à oleosidade e ao surgimento de acne, também é uma barreira para a categoria no país. “A textura é apontada como um segundo fator para a baixa adesão ao protetor solar. Por mais que a pessoa tenha dinheiro, ela não vai aplicar um produto que incomoda, que fica grudento ou oleoso em sua pele”, diz o pesquisador.
Fórmulas adequadas às necessidades da pele brasileira
Diferentes marcas de proteção solar vêm adaptando ou desenvolvendo fórmulas específicas para o mercado brasileiro nos últimos anos. Portilho dá como exemplo a La Roche-Posay. “Quando o filtro foi lançado no Brasil, com fórmula francesa, ele tinha uma alta concentração de octocrileno, que é uma substância bem oleosa e pesada. Quem passava, ficava com o rosto brilhante, pegajoso. Então a L’Oréal, detentora da marca, mudou a fórmula, diminuindo bem a concentração de octocrileno e ao mesmo tempo caprichando nos modificadores de sensorial para deixar o produto mais ‘sequinho’. Essa adaptação certamente faz com que a adesão ao produto aumente.”
Outro ponto destacado para o não uso de filtros solares é que muitas pessoas acham que não precisam. “Há, ainda, uma tendência cultural em associar o uso do protetor solar exclusivamente a momentos de lazer em ambientes abertos de exposição ao sol, quando, na realidade, sua aplicação se faz necessária inclusive em dias nublados e durante as atividades cotidianas como exposição a telas e luzes de escritório”, aponta Regiane Bueno, vice-presidente de marketing da Coty Brasil e LatAm.
Peles mais escuras também precisam de proteção solar
Detentora de Cenoura & Bronze, há 40 anos no mercado e umas das principais marcas de proteção solar no Brasil, a Coty realizou uma pesquisa na qual 50% dos consumidores afirmaram utilizar protetor solar facial diariamente e 30% protetores corporais. “Também é essencial desmistificar a ideia de que peles negras não precisam de proteção solar. O fato de ser mais ‘resistente ao sol’ não significa que ela é imune a problemas cutâneos como o câncer de pele, causados principalmente pela exposição à radiação UV”, afirma Bueno.
Apesar de ainda muito alarmantes, os números em torno da categoria vêm melhorando lentamente no país. Em 2023, 73% dos brasileiros não utilizavam protetor diariamente, segundo a pesquisa dirigida por Portilho. “Acredito que essa ligeira melhora é decorrente de mais informação disseminada, aumentando a educação do brasileiro em relação à proteção solar.”
Ele diz que as redes sociais contribuíram para isso e que indústria também vem fazendo sua parte, com campanhas que mostram danos causados pelo sol. Já os órgãos competentes são falhos nesse quesito, na opinião do pesquisador. “As autoridades pecam em educar a população. Eu não me lembro de uma campanha encabeçada pela Anvisa sobre proteção solar. Depois de tantos anos fazendo essa pesquisa, vejo poucas melhoras, mas espero que possamos cada vez mais conscientizar as pessoas.”
A executiva da Coty também fala em pequenos avanços e aposta na popularização do skincare como rotina de autocuidado e na maior disponibilidade de produtos com preços mais acessíveis para alavancar a categoria no Brasil. “É fundamental continuar investindo em campanhas educativas que destaquem a importância do uso diário do produto. Além disso, essas ações devem incentivar a inovação nas formulações, garantindo o acesso e atendendo às necessidades de todos os consumidores, independentemente de região e classe social”, finaliza Bueno.