Num mundo marcado pelo aumento da esperança de vida e, segundo o Euromonitor, pela crescente preocupação com a possibilidade de viver uma vida longa e saudável, as “zonas azuis” têm cativado os investigadores que trabalham na longevidade humana.
O termo foi criado para se referir a regiões do mundo onde as pessoas vivem vidas mais longas e saudáveis do que em outros lugares. A ilha da Sardenha, na Itália, foi a primeira a ser referida como tal em 2004 e a península de Nicoya, na Costa Rica e alguma dessas.
Fraudes, erros e pensamento positivo
No entanto, Saul Justin Newman, da University College London, disse à AFP que a maioria dos dados sobre “zonas azuis” e idades extremamente avançadas "são inúteis".
A pesquisa de Newman, atualmente sob revisão por outros cientistas, analisou dados sobre centenários e supercentenários – que vivem até os 100 e 110 anos – nos Estados Unidos, Itália, Inglaterra, França e Japão. Ao contrário do que se poderia esperar, ele descobriu que os supercentenários tendem a vir de áreas com problemas de saúde, elevados níveis de pobreza e registros deficientes de dados. [1]
O melhor camino para a longevidade extrema parece ser "mudar-se para onde as certidões de nascimento são raras, ensinar seus filhos a fraudar aposentadorias e começar a mentir", disse Newman ao receber o Prêmio Ig Nobel, uma versão humorística do Nobel em setembro.
Um exemplo é Sogen Kato, considerada a pessoa mais velha do Japão até que seus restos mumificados foram descobertos em 2010. Havia morrido em 1978. Sua família foi acusada por manter sua aposentadoria por três décadas.
O governo japonês decidiu abrir uma investigação que revelou que 82% dos centenários do Japão – cerca de 230 mil pessoas – estavam desaparecidos ou mortos. "O segredo para viver até os 110 anos era não registrar sua morte", disse Newman.
"Em 2008, descobriu-se que 42% dos costarriquenhos com mais de 99 anos tinham ’relatado incorretamente’ sua idade no censo de 2000", explica o relatório. O pesquisador também descobriu dados de 2012 que sugeriam que 72% dos centenários da Grécia estavam mortos ou eram imaginários. "Eles só estarão vivos no dia em que a aposentadoria for recebida", disse Newman.
Mesmo quando estão de boa fé, as pessoas se enganam sobre a idade com muito mais frequência do que imaginamos, diz a pesquisadora. Mas confirmar a idade de uma pessoa envolve verificar documentos muito antigos que às vezes estão inicialmente incorretos.
Suplementos alimentares e receitas culinárias
Esse desejo de viver o maior tempo e da forma mais saudável possível alimentou uma próspera indústria de suplementos alimentares, livros, tecnologia e conselhos para aqueles que querem aprender os segredos das pessoas mais velhas do mundo.
Para o investigador da University College London, o comércio que deu origem às zonas azuis explicaria em grande parte o mito que se formou em torno dessas áreas.
O termo "zona azul" foi usado pela primeira vez em 2004 por pesquisadores referindo-se à ilha italiana da Sardenha.
No ano seguinte, o repórter da National Geographic Dan Buettner escreveu uma matéria na qual acrescentava as ilhas japonesas de Okinawa e a cidade californiana de Loma Linda. Buettner admitiu ao The New York Times em outubro que só incluiu Loma Linda porque seu editor lhe disse: "você tem que encontrar a zona azul nos Estados Unidos".
O repórter se uniu a alguns demógrafos para criar a marca de estilo de vida ’Blue Zone’, e acrescentaram à lista a Península de Nicoya, na Costa Rica, e a ilha grega de Icária.
No entanto, arquivos públicos pouco fiáveis, como os de Okinawa, no Japão, em grande parte destruídos pelos bombardeamentos da Segunda Guerra Mundial e então mal geridos pelas autoridades de ocupação americanas, lançaram dúvidas sobre a idade real dos centenários contados nestas áreas.
Metodologia contestada
Vários pesquisadores renomados escreveram uma nota de repúdio no início deste ano, chamando o trabalho de Newman de "ética e academicamente irresponsável". Acusaram Newman de se referir a regiões mais amplas do Japão e da Sardenha, quando na verdade as zonas azuis são áreas menores.
Os demógrafos também enfatizaram que "confirmaram meticulosamente" as idades dos supercentenários nas zonas azuis, verificando registros históricos e censos que datam do século XIX.
Newman disse que esse argumento ilustrava seu ponto de vista. "Se você começar com uma certidão de nascimento incorreta, ela será copiada para tudo e você obterá registros perfeitamente consistentes, mas perfeitamente errados", disse ele.
Um “relógio” para medir a idade
A única "saída desse atoleiro" é medir fisicamente a idade das pessoas, disse Newman.
O relógio epigenético de Steve Horvarth poderia ser usado como ponto de partida.
Pesquisador da Universidade da Califórnia, Steve Horvath, criou uma nova técnica chamada relógio do DNA "com o propósito expresso de confirmar alegações de longevidade excepcional". O relógio pode "detectar com segurança casos de fraude grave", como quando um filho assume a identidade dos pais, mas ainda não consegue diferenciar entre quem tem 115 e 120 anos, disse Horvath à AFP.
A análise de Newman "parece ser rigorosa e convincente", disse Horvath, acrescentando que várias zonas azuis são supervisionadas por cientistas rigorosos. "Suspeito que ambas as opiniões têm alguma verdade", disse ele.