A tendência não passou despercebida: a L’Oréal aumentou sua participação de mercado e relançou a marca Lancôme usando o circuito de vendas da Sephora; a Galeries Lafayette pretende inaugurar duas lojas de departamento em Nova Délhi e em Mumbai; e a Estée Lauder lançou, em parceria com a empresa indiana Nykaa, o programa Beauty & You India para dar apoio a jovens marcas de beleza da Índia. Ou seja, seguindo o exemplo de importantes nomes do universo da moda, as marcas de luxo do setor de beleza estão partindo à conquista do mercado indiano, da mesma forma que fizeram na China.
Nas últimas décadas, o país registrou um significativo crescimento demográfico: com uma população de 1,4 bilhão de pessoas atualmente, a Índia está prestes a se tornar o país mais populoso do mundo. Paralelamente, o crescimento econômico vem aumentando o poder de compra das classes mais abastadas. Segundo o ranking 2023 da revista Forbes, hoje na Índia existem 169 bilionários (valores em dólares), em comparação com 140 em 2021, e o número de milionários continua aumentando, principalmente em Mumbai, cidade onde vivem 60 mil pessoas nessa categoria de renda. Um cenário propício ao desenvolvimento de uma oferta de produtos de luxo muito similar ao observado no mercado chinês.
"Fala-se muito da Índia em termos de números porque em breve a população deve ultrapassar a população da China, mas esse é o único elemento de semelhança entre os dois países", pondera Florence Bernardin, fundadora e dirigente da Asia Cosme Lab, agência de monitoramento de marketing de produtos de beleza para a Ásia. "É bem verdade que o número de milionários vem aumentando, mas a realidade é que 90% da economia ainda é dominada pelo setor informal e a renda média continua sendo extremamente baixa. Apenas 10% dos indianos ganham mais de 280 euros (310 dólares) por mês. É claro que, considerando uma população de 1,4 bilhão, isso significa 140 milhões de pessoas – o dobro da população francesa, por exemplo –, mas esses dados estão longe de ser comparáveis aos da China, onde o PIB per capita é de 12 mil dólares. Na Índia, ele é de 200 dólares. Em outras palavras: sim, o mercado é imenso e vem se desenvolvendo, mas com um nível de preços extremamente baixo. Os produtos de luxo só vão chegar a uma pequena fração dessa população", completa ela.
Ascensão das indie brands locais
A riqueza no país está repartida de forma desigual em cada região, concentrando-se sobretudo nas cidades, onde constantemente surgem novas startups no setor de inovação tecnológica. Paralelamente, os canais de distribuição estão se diversificando, com um forte crescimento das vendas pela internet, estimuladas principalmente pelo gigante Nykaa, mas também com a expansão das vendas diretas. A título de ilustração, a marca de maquiagem Sugar, fundada por Vineeta Singh, tornou-se uma das grandes protagonistas do segmento D2C (Direct to Consumer) na Índia, e sua rede já tem 150 lojas; da mesma forma, a marca The Body Shop atingiu o marco de 200 lojas em 2023 e está presente em 65 cidades da Índia.
"A verdadeira mudança reside no grande número de indie brands que estão surgindo. Trata-se de um mercado dinâmico, que vem sendo impulsionado pela tecnologia, pelas redes sociais, pelas vendas on-line, pelas mudanças no estilo de vida, pela mídia e pelos influenciadores. Todas essas novas marcas integram as mais recentes tendências internacionais, a ênfase em ingredientes naturais, os cuidados de beleza para homens, a beleza inclusiva e os princípios de ayurveda, naturalmente", ressalta Florence Bernardin.
Esse é o caso, por exemplo, da 82°E, linha de cuidados minimalista criada pela atriz Deepika Padukone, com produtos que utilizam plantas da farmacopeia tradicional indiana. Lançada pela internet em novembro de 2022, a marca acabou sendo alvo de uma onda de comentários negativos por parte dos fãs, em razão dos preços de venda, entre 20 e 30 euros, muito acima do que o consumidor indiano costuma pagar.
Entre as indie brands que estão fazendo sucesso com produtos na faixa de 1,5-18 euros, vale citar a Juicy Chemistry, marca de cuidados da pele, produtos capilares, produtos para o corpo e nutricosméticos com certificação Ecocert/Cosmos; a Neemli Naturals, marca que alia ciência e natureza, com preços entre 1,6-18 euros; além da Mama Earth, do Grupo Godrej, e da Dr Sheth’s for Indian Skin, que oferecem produtos com efeitos dermatológicos e ayurvédicos.
"São marcas que podem ser exportadas para a Europa, pois oferecem um excelente nível de qualidade, ou para mercados com menor renda per capita, quem sabe concorrendo com a China nos mercados da África ou do Sudeste Asiático, em particular a Coreia do Sul", prossegue Florence Bernardin.
Lenta evolução
Mesmo para as marcas que oferecem produtos relativamente baratos, o futuro depende de políticas macroeconômicas de estímulo ao desenvolvimento.
"Contrariamente à China, o problema da Índia é que há muito pouco investimento em saúde e educação. Apenas 3% dos jovens têm acesso a cargos elevados e, embora existam boas universidades, o número de vagas não é suficiente. Isso cria um impasse, pois é justamente para esse segmento da população que o luxo vem se desenvolvendo. O potencial é enorme, mas no ritmo atual serão necessárias várias gerações para que a mudança aconteça", pontua a especialista. Ela também explica que, na Índia, 40% da população tem menos de 25 anos: enquanto a média de idade no país é de 28 anos, na China ela é de 39 anos.
"Acredito que o papel das empresas do setor de luxo que estão ingressando no mercado indiano é investir na educação da população, criando escolas para crianças ou para mulheres. Essas marcas não podem simplesmente ser uma vitrine", sugere, para concluir, Florence Bernardin.