Carnaval no Brasil é sinônimo de corpos pouco vestidos, mas repletos de brilho. Presença garantida nos blocos de rua e sambódromos do país, o glitter nada mais é do que um microplástico produzido a partir de polímeros e pintado em cores metálicas ou iridescentes, de modo a refletir a luz.
Criado em 1934 pelo americano Henry Ruschmann, fundador da Meadowbrook Inventions, o glitter se espalhou pelo mundo e ganhou as mais variadas aplicações, indo do setor alimentício ao têxtil. Na indústria de cosméticos, ele também é utilizado em larga escala, podendo ser encontrado em maquiagens para olhos e unhas, sabonetes, cremes corporais e produtos capilares, segundo Ricieri Brostoline, diretor da All Pigments, empresa química instalada em São Paulo que tem 10% de suas vendas de glitter efetuadas para fabricantes de cosméticos.
O problema, que vem sendo debatido por ambientalistas em todo o mundo, é que quando tomamos banho ou lavamos o rosto para retirar esses produtos, acabamos mandando o glitter para o ralo. Como se tratam de partículas muito pequenas, de até 0,1 milímetro, é praticamente impossível recolhê-las da água e seu destino final acaba sendo o mar.
Estima-se que oito milhões de toneladas de plástico sejam despejadas todos os anos nos oceanos, sendo mais de 200 mil toneladas de microplásticos, de acordo com dados publicados pela revista científica Environmental Research Letters.
Levando centenas de anos para se decompor, o glitter não só causa a poluição da água como coloca em risco as espécies marinhas, que o confundem com comida. “Os microplásticos podem atrapalhar a obtenção de alimentos pelos organismos marinhos, além de acumularem várias substâncias tóxicas, como metais pesados e poluentes orgânicos persistentes, o que faz com que os danos à biodiversidade sejam ainda maiores. Pequenos animais marinhos se alimentam deste plástico contaminado e, ao serem ingeridos por animais maiores, propagam a intoxicação. É uma cadeia alimentar inteira sendo contaminada”, afirma o biólogo Edris Queiroz, diretor do Instituto de Biologia Marinha.
Preocupados com a popularidade do glitter nos cosméticos, especialistas em meio ambiente vêm propondo um boicote ao produto. “O Carnaval é relevante para nossa venda de glitter, pois a procura cresce nesta época”, garante Brostoline. “Precisamos realmente do glitter? E apenas para se divertir por poucas horas, causando danos a milhares de seres marinhos?”, questiona Edris Queiroz, que apoia o movimento.
Não querendo tirar o brilho de ninguém, a indústria brasileira da beleza começa a apresentar alternativas sustentáveis para o glitter. É o caso da Pura Bioglitter, que surgiu no Rio de Janeiro no Carnaval do ano passado com um glitter orgânico feito com algas marinhas e minerais, e a Shock, também do Rio, que comercializa desde 2016 um gel glitter biodegradável com fator solar 25. “Acreditamos que a indústria deve desenvolver produtos cada vez mais ecológicos e menos prejudiciais à natureza”, diz o diretor da All Pigments.
A marca de esmaltes Mohda Cosméticos tem o glitter presente em 15% de seu catálogo. De acordo com a gerente de marketing e desenvolvimento da marca, Marcela Goulart, a venda de esmaltes com glitter vem aumentando desde o segundo semestre de 2017. “Isso se deu pois o público estava em uma febre de esmaltes nudes, que durou mais de um ano. Com o tempo, as consumidoras enjoaram e acabaram migrando para o efeito”, afirma. Goulart assegura que a empresa se preocupa com o meio ambiente e ressalta o fato de que o glitter utilizado nos esmaltes não se dispersa no ar ou escoa para a água, já que só é removido com produtos específicos.