Brazil Beauty News - O que motivou a criação de um laboratório cosmético especializado em pele escura?

Louise Danel - O Cyrea nasceu da história de Jean-Pierre Paugam e sua esposa, Natacha Paugam, originária de Angola. Diante da inexistência de produtos adaptados à sua pele negra e à pele marrom de seus filhos, em 2018 Natacha reuniu uma equipe de cientistas e dermatologistas e criou seu próprio laboratório. O objetivo era, a partir da estrutura das peles de tom médio e escuro, desenvolver produtos específicos, ao invés de simplesmente adaptar cuidados destinados à pele caucasiana a fim de atender aos consumidores de pele escura. A criação do laboratório Cyrea levou ao desenvolvimento da marca de cosméticos Ustawi, lançada no mercado americano em 2021.

Está comprovado que, em relação à pele caucasiana, a pele negra apresenta diferenças estruturais e funcionais. Com base nessas particularidades, desenvolvemos produtos verdadeiramente adaptados à pele escura.

Brazil Beauty News - Que diferenças são essas?

Louise Danel - A pele escura tem suas vantagens e desvantagens. Um dos principais focos do nosso trabalho é a hiperpigmentação e a consequente heterogeneidade no aspecto da pele. Temos realizado pesquisas nessa área e pretendemos em breve publicar os resultados.

Entre os outros elementos a levar em conta, estão a tendência à hiperseborreia e a imperfeições cutâneas, a renovação celular mais lenta (o que pode deixar a pele sem brilho), além de uma menor eficácia da barreira cutânea, em razão da escassez de cerâmidas. Quanto à proteção solar de peles escuras, embora haja um debate em relação a um possível déficit de vitamina D, acreditamos que, de toda maneira, é essencial protegê-las.

Brazil Beauty News - O clima influencia, de alguma forma, esses problemas?

Louise Danel - Apesar de serem de natureza estrutural, os problemas que citei são também exacerbados pelo exposoma. Por exemplo, está comprovado que a poluição é um fator agravante da hiperpigmentação. Por isso, a proteção ambiental é um tema importante das pesquisas que realizamos.

Brazil Beauty News - Como é desenvolvido o trabalho do laboratório?

Louise Danel - Desde o início, trabalhamos em estreita colaboração com a universidade de Aix-Marseille, em particular com o professor Philippe Piccerelle. A primeira etapa do projeto envolveu um extenso trabalho bibliográfico, realizado com o objetivo de desenvolver um método científico específico: a abordagem multialvo da melanina. Nossos ingredientes ativos são rigorosamente selecionados para se complementarem mutuamente, conferindo eficácia múltipla aos produtos. A escolha das formas galênicas também vem sendo cuidadosamente estudada, a fim de garantir uma experiência sensorial agradável e potencializar a eficácia dos ingredientes.

Brazil Beauty News - Que texturas e ativos são priorizados?

Louise Danel - Desenvolvemos texturas inovadoras, que contêm no mínimo 93% de ingredientes de origem natural e obedecem a especificações rigorosas. Respeitar a sensibilidade da pele negra é nossa prioridade absoluta, por isso as fórmulas não contêm perfume.

Utilizamos diversas tecnologias, como biomimetismo, estruturas bi-gel, ingredientes adaptativos e texturas evolutivas, dando prioridade a ativos com ação específica, de preferência de origem africana. Entre os ingredientes que mais apreciamos, estão o fruto do baobá, a folha de murta, a raiz de alcaçuz e a molécula ativa de chá verde.

Brazil Beauty News - O laboratório foi solicitado por outras marcas para desenvolver fórmulas específicas?

Louise Danel - Atualmente, nossas atividades de pesquisa e desenvolvimento estão focadas na criação de produtos para as marcas do grupo: Ustawi e Be Radiance, marca de maquiagem que incorporamos recentemente. Nosso modelo econômico atual não inclui a ampliação dos serviços que prestamos, mas não descartamos essa possibilidade futuramente.

Brazil Beauty News - Como dar impulso ao desenvolvimento de cosméticos específicos?

Louise Danel - Primeiramente, é necessário um amplo trabalho científico, haja vista a tremenda escassez de dados nessa área. Nos últimos dois anos, temos observado uma evolução no mercado: as marcas estão começando a se interessar por esse segmento, da mesmo forma que os fornecedores de matérias-primas que muitas vezes buscam direcionar seus ativos para peles de tom escuro.

O laboratório Cyrea assumiu o compromisso de promover o progresso das pesquisas sobre a pele rica em melanina e mobilizar esses conhecimentos para desenvolver produtos que atendam a necessidades reais. Sabemos que é mais difícil realizar testes clínicos em indivíduos de pele escura, o que talvez explique a quase inexistência de estudos sobre os fotótipos IV, V e VI. O que questionamos, no entanto, é se essa dificuldade justifica a prática de extrapolar os resultados de estudos efetuados com indivíduos de pele clara e aplicá-los a pessoas de pele escura.

Brazil Beauty News - Quais são os obstáculos e as perspectivas?

Louise Danel - O segmento de cosméticos adaptados a peles de tom médio e escuro ainda é incipiente, portanto as perspectivas de aquisição de conhecimentos são enormes. Considerando que mais de 50% da população mundial tem pele rica em melanina, estamos diante de um imenso mercado.

As marcas e os laboratórios têm um papel didático a desempenhar, pois a carência de produtos específicos acaba levando os consumidores a fabricarem seus próprios produtos, a despeito dos inúmeros riscos que isso acarreta.

Observamos também um equívoco muito comum que evidencia a necessidade imperativa de conscientização e conhecimento nessa área: certas pessoas acreditam que usar um produto para pele escura numa pele clara escurece a pele! É preciso que a informação correta chegue ao consumidor, independentemente da cor da sua pele.