Brazil Beauty News - Por que você escolheu este tema para sua tese e utilizou a Natura como base do estudo?
Ludmila Costhek Abilio - Meu interesse era tratar do trabalho informal no Brasil, mais especificamente de ocupações que mal são reconhecidas como trabalho, mas envolvem muita gente e são centrais para as cadeias produtivas, de distribuição e circulação de mercadorias, enfim, fontes importantes de lucro para as empresas. A Natura é uma entre muitas que atuam com o sistema de vendas diretas e a escolhi por ser uma empresa brasileira extremamente bem sucedida e líder de mercado.
Brazil Beauty News - O Brasil é o 5º mercado mundial de vendas diretas, com mais de 4 milhões de revendedoras de cosméticos. Como o país chegou a este patamar?
Ludmila Costhek Abilio - Quando iniciei minha pesquisa, em 2007, a Natura tinha 400 mil revendedoras. Em 2011, já eram mais de um milhão. O crescimento exponencial do número de trabalhadores em vendas diretas vem primeiro de um processo de precarização do trabalho, com menos garantias e direitos ao trabalhador, que anda junto com a ameaça do desemprego e faz as pessoas aderirem cada vez mais a formas pouco reconhecidas - e até pouco remuneradas - de trabalho como meio de subsistência. Um segundo aspecto é que as fronteiras entre consumo e trabalho já não são tão claras: muitas mulheres decidem se tornar consultoras para poder obter produtos com descontos. Por fim, na última década, o aumento do salário mínimo, emprego e crédito no Brasil possibilitaram uma incrível expansão do mercado consumidor, muito visível no setor de cosméticos.
Brazil Beauty News - O que leva uma mulher a ser tornar revendedora? Há um perfil comum?
Ludmila Costhek Abilio - O consumo é um grande vetor de mobilização. Como para adquirir os produtos é preciso uma pontuação mínima por pedido, elas encomendam o que não necessariamente será usado e quando veem, já estão fazendo estoques e revendendo. Mas há as que têm as vendas principalmente como meio de geração de renda. Entrevistei mulheres que há 30 anos são revendedoras e se dedicam somente à atividade. Não é possível delimitar um perfil socioeconômico – de diarista à esposa de executivo, é possível ser revendedora. Podemos afirmar apenas que é uma atividade tipicamente feminina, ainda que os homens estejam aderindo mais.
Brazil Beauty News - Por que a revenda de cosméticos é vista como “um bico” e não uma profissão no Brasil?
Ludmila Costhek Abilio - Juridicamente, as revendas são definidas como uma relação de serviço. Não há vinculo empregatício, local ou jornada de trabalho definidos: vende-se como, quando e onde quiser. É uma atividade extremamente flexível, sem critérios de seleção ou ameaça de desemprego. Como a revenda está muito entrelaçada com o próprio consumo, é ainda mais difícil reconhecer nela uma relação de trabalho.
Brazil Beauty News - Você acha que é esta uma relação mais vantajosa para as empresas?
Ludmila Costhek Abilio - É vantajosa na medida em que as empresas transferem riscos de comercialização e estoque para as revendedoras. A Natura, por exemplo, tem estoques mínimos, produz de acordo com os pedidos das revendedoras. Há ainda uma série de fatores que se traduzem em mais segurança e redução de custos da empresa. Não há lojas físicas, a venda ocorre na casa, no ambiente de trabalho da revendedora. Além disso, elas se tornam propagandas vivas da marca e garantem venda e marketing em todo o Brasil.
Brazil Beauty News - Como você acredita que será o futuro desta relação?
Ludmila Costhek Abilio - Não me arriscaria a fazer prognósticos. O que me parece claro é que o sistema de vendas diretas adequa-se muito bem a crises econômicas, ao crescimento do desemprego e à flexibilização do trabalho. É uma saída para geração de renda e redução de custos do consumo em tempos de “aperto”, aliada ao empreendedorismo. Mas é preciso não perder de vista os custos e riscos para o trabalhador – neste caso, trabalhadora –, com poucas garantias em termos de direitos do trabalho e reconhecimento profissional.