A União Europeia (UE) e o Mercosul estão na “reta final” para alcançar um acordo de livre comércio, mas “o diabo está nos detalhes”, disse neste domingo (17) a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen em uma entrevista à GloboNews, na véspera da cúpula do G20 no Rio de Janeiro.
O pacto UE-Mercosul criaria um mercado integrado com cerca de 800 milhões de habitantes e pretende eliminar tarifas de importação sobre mais de 90% dos bens da UE exportados para o bloco sul-americano.
Duas décadas de negociações
As negociações para um acordo entre os países da UE, de um lado, e Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, do outro, começaram há mais de duas décadas. O pacto não se aplica à Bolívia, um membro recente do Mercosul.
Em virtude da decisão que os países da UE outorgaram em 1999 à Comissão Europeia, que, como Executivo da UE, negocia em nome do bloco, o acordo "global" deve reger as relações políticas, econômicas e comerciais.
Para Bruxelas, seria um "acordo misto", reunindo competências exclusivas da Comissão, como grande parte do setor comercial, com outros aspectos compartilhados com os governos nacionais.
Se esta estrutura for mantida, a França teria direito a veto, já que o Conselho do bloco, que reúne os governos dos 27 países, teria que aprovar o acordo por unanimidade antes da ratificação pelos Parlamentos nacionais.
Em 2016, a pequena região belga da Valônia bloqueou por dias a assinatura do acordo UE-Canadá, conhecido como Ceta, ao se recusar a dar à Bélgica o aval necessário para rubricar o tratado no Conselho.
Divisão do acordo
Para evitar que a situação se repita, a Comissão Europeia de Ursula von der Leyen estudaria dividir o acordo, separando a parte sobre trocas comerciais (agrícola, industrial, etc.) do restante, de acordo com fontes diplomáticas.
O modo de aprovação da seção comercial mudaria e não exigiria mais unanimidade ou ratificações nacionais para entrar em vigor. Do lado europeu, uma maioria qualificada de votos do Parlamento Europeu e do Conselho seria suficiente.
A França, que rejeita esta divisão contrária ao mandato de negociação inicial, poderia, no entanto, tentar construir uma "minoria de bloqueio" para impedir a adoção do acordo comercial dividido.
Esta opção exigiria que pelo menos quatro dos 27 países da UE se opusessem ao acordo comercial, desde que o peso de seus apoiadores não chegasse a 65% da população do bloco europeu.
A França é o segundo país mais populoso da UE, mas, no caso de um acordo com o Mercosul, enfrenta dois outros pesos pesados, Alemanha e Espanha, que pressionam por sua assinatura e entrada em vigor.
"Estamos trabalhando com os países europeus para fazê-los entender os perigos desse acordo", declarou o ministro da Economia francês, Antoine Armand, na semana passada.
Em um contexto de ascensão de forças populistas de extrema direita na Europa, a França alerta para o impacto político e "democrático" em seu país, um dos fundadores do bloco, caso o acordo seja assinado sem sua aprovação.
O presidente Emmanuel Macron disse em Buenos Aires, no domingo, que seu país não assinaria o tratado "tal como está" e que não acreditava que a presidente da Comissão o assinaria sem o apoio de Paris.
O acordo permitiria aos quatro países negociadores do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) aumentarem suas cotas de entrada na UE de carne bovina, de aves e suínas, assim como de mel, açúcar e outros produtos. Fora de França, agricultores de vários países europeus — na Alemanha, Espanha e Itália por exemplo — denunciam o acordo entre a UE e o Mercosul. Mas as posições de seus governos contêm nuances e a França segue se opondo de maneira mais enfática.