Em nome da beleza do consumidor, a indústria cosmética adotou por muito tempo práticas bastante controversas, incluindo a utilização de compostos químicos poluentes ou nocivos à saúde, o consumo exorbitante de energia e a extração indiscriminada de recursos naturais. Mas a expansão das marcas verdes no setor vem provocando uma verdadeira revolução, tanto do ponto de vista tecnológico quanto na demanda do consumidor por produtos mais sustentáveis.
Iniciativas como a otimização dos recursos – visando diminuir os custos e aumentar o rendimento –, e a utilização de matérias-primas seguras e com baixo impacto ambiental já são recorrentes no setor.
Segundo Adelino Kaoru Nakano, diretor de inovação da Symrise, três tendências vêm sendo observadas no mercado brasileiro: a busca por insumos naturais e renováveis, o uso de embalagens biodegradáveis e o reaproveitamento de resíduos. “Atualmente, diferentes processos de modificação convertem o que antes era descartado em produtos de valor agregado e importância tecnológica”, afirma Nakano.
O investimento em processos e ingredientes mais sustentáveis não é um movimento exclusivo das gigantes do setor. Empresas menores e com uma estrutura mais enxuta também podem inovar. Com mais flexibilidade para a geração de ideias e prototipação, elas geralmente conseguem implementar novos sistemas com mais agilidade.
Já as grandes empresas contam com mais investimento em P&D, mas os riscos envolvidos na adequação de processos e matérias-primas também é maior. Nakano aponta que existe no Brasil uma tendência de associação entre companhias de diferentes portes para tentar superar os desafios de ambas as estruturas. “As limitações das pequenas empresas estão principalmente relacionadas à capacidade de investimento. Por isso, além de buscar financiamentos públicos ou privados, elas tendem a se associar a grandes empresas, visando o beneficiamento mútuo – investimentos de um lado e aceleração de projetos de inovação do outro”.
Direto da fonte
O Brasil possui mais de 20% do total de espécies do planeta, mas ainda há muito a ser explorado pela indústria cosmética. Nakano afirma que as matérias-primas mais procuradas pelos fabricantes são as que já possuem conhecimento tradicional de uso e produzem o efeito cosmético desejado. Também há demanda por ingredientes considerados “exóticos” pelos consumidores – por serem pouco conhecidos ou apresentarem um apelo interessante relacionado à sua origem ou comunidade que realiza sua extração.
Marianna Cyrillo, gerente de marketing da Beraca, destaca que óleos para os cabelos e ingredientes que conferem texturas diferenciadas aos cosméticos estão entre os mais procurados. “O foco está nas matérias-primas capazes de modificar a reologia do produto final, como um óleo que dê origem a um shampoo em gel, por exemplo”. Ela também ressalta o uso de manteigas como a de murumuru, que possui alta concentração de ácido láurico e é indicada para uso em produtos profissionais e tratamentos capilares.
Embora muitas empresas tendam a manter institutos de pesquisa localizados próximos às suas matrizes por questões estratégicas, é comum a implementação de centros de desenvolvimento locais com foco em mercados-chave, como é o caso do Brasil. “Com a presença cada vez maior de pesquisadores qualificados em todo o mundo, notamos que novos centros de pesquisa começam a ser inaugurados em outros países, com o objetivo de promover inovação local e explorar oportunidades de mercado”, afirma Nakano.
Cyrillo destaca a liderança do Brasil no mercado de produtos para os cabelos, o que motivou grandes empresas de ingredientes e produtos finais a instalarem centros de inovação e pesquisa no país, incluindo L’Oréal, Unilever e P&G. “O mercado brasileiro atingiu uma posição respeitada mundialmente por contar com uma extensa gama de tipos de cabelos e demandas específicas de cada um desses consumidores. Isso reafirmou nosso status como celeiro e laboratório mundial”.
Nakano acredita que a presença física de institutos de inovação no Brasil facilita a pesquisa de espécies da biodiversidade brasileira pela possibilidade de trabalhar com matérias-primas “in natura”, ter acesso ao conhecimento tradicional e estabelecer um relacionamento mais próximo com as comunidades responsáveis por sua coleta. Cyrillo afirma ainda que o consumidor brasileiro está entre os que mais buscam apelos botânicos e herbais nos rótulos dos produtos, o que impulsiona o departamento de P&D das empresas e motiva a busca constante pela vegetalização das fórmulas.
Verde VS sustentável
Pesquisas com ingredientes da flora brasileira podem atuar de forma importante na busca por fontes renováveis, mas Nakano pondera que produtos de fontes vegetais não são necessariamente mais sustentáveis. “São muitas as etapas envolvidas no cultivo e beneficiamento de matérias-primas vegetais. Dependendo da espécie, o rendimento da extração pode ser muito pequeno. Existem hoje processos químicos que usam solventes de baixa toxicidade e processos sintéticos com baixo custo energético em que se pode obter resultados semelhantes com menor impacto econômico e ambiental”, completa.